domingo, 31 de dezembro de 2017

Sobre 2017, seus altos e baixos e alguns filmes

Vou começar este texto de fim de ano com sinceridade: eu não sei sobre o que escrever. Não assisti a Retrospectiva 2017 da Globo, minha memória anda ruim, então eu espero que à medida em que escrevo, vá lembrando de coisas importantes desse ano de muitas emoções. Muitas. De todos os tipos.
Conforme esperado, a crise político-financeira de nosso País piorou. Piorou muito. Maldito seja Tiririca e seu "pior do que tá não fica". O que já era errado ficou nojento de tão escancarado, explícito e sem vergonha nenhuma. Assistimos perplexos à delação dos Irmãosley - Wesley e Joesley - Batista, mostrando até onde chegava a corrupção do governo Temer e de seus principais aliados. Malas de dinheiro destinadas ao mais alto escalão do executivo, do legislativo e a crápulas já presos, como o embuste-mor da República, Eduardo Cunha, que estaria recebendo milhões da JBS para manter a boca fechada e não delatar o ninho de cobras de Brasília. Enquanto o povo esperava que alguém voasse, a única coisa que voou foi o dinheiro público, já que centenas de deputados foram comprados duas vezes para impedir a autorização da investigação do presidente e de alguns de seus ministros pelo Supremo Tribunal Federal. Relembrando áudios de Sérgio Machado gravados no ano passado, onde ele dizia que "o primeiro a ser comido" seria Aécio Neves, não foi bem assim que a coisa aconteceu. O senador, gravado pedindo 2 milhões de reais e afirmando que quem deveria buscar o dinheiro era alguém que fosse morto antes de fazer delação, teve o mandato suspenso mas foi posteriormente absolvido por seus pares do Senado.
Aproveitando o tema STF... quanta decepção. Claro que a gente só podia lembrar do "grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo" ao ver ministros da suprema corte livrando tão facilmente algumas das piores caras de nossa política. Merece destaque aquele que teve tantos jantares particulares com Temer, que recentemente soltou ex-governadores do RJ e que levou um belo chega-pra-lá do ministro Barroso, que categoricamente afirmou que seu colega tem "parceria com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco". Além disso, o Supremo fez o favor de liberar ensino religioso no Brasil, e de uma forma que não garante que várias religiões sejam debatidas, como seria mais correto; podemos afirmar que será uma imposição de cristianismo. Vá embora de vez, estado laico.
Pois é, gente. Apanhamos, e a porrada veio de todos os lados. Corrupção, piora dos serviços públicos, aumento abusivo de impostos, enquanto isenções eram concedidas a grandes empresas - o que falar de 1 trilhão em isenção ao longo de 25 anos pras exploradoras do pré-sal? Ao mesmo tempo, o gás de cozinha ficou cada vez mais caro, prejudicando principalmente os mais pobres. Que seja lembrado o caso de um senhor em Pernambuco que comprou um botijão em um vendedor clandestino para não pagar tão caro, mas houve um vazamento seguido de explosão que matou três pessoas e feriu os demais moradores na residência. Reflexos do golpe de 2016. Afinal, não foi um golpe só contra Dilma, mas contra os pobres, os trabalhadores, os negros, as mulheres e os LGBT.
E num ano com tantos desafios, cada oportunidade de rir era aproveitada. Deus abençoe o menino que gerou o meme do "caindo ao som de sweet dreams", um dos melhores dos últimos anos, e a dona e proprietária da internet, Gretchen, que zerou a rede ao estrelar um clipe de Katy Perry (que é muito melhor que o clipe oficial. Amém). E por falar em música, teve Anitta e Pabllo Vittar pra mostrar porque se deve lutar por representatividade - algumas vitórias contra o conservadorismo, né? E por falar em luta, nossos aplausos e nosso respeito às mulheres que denunciaram assédio e abuso na indústria de Hollywood e também na televisão brasileira. Respeita as mina!
Pra encerrar, meu maior conselho pra 2018: se cuidem, galera. Do corpo e da mente. Em um ano de tantas histórias tristes envolvendo saúde mental e desfechos trágicos como suicídio, a minha mensagem é um pedido pra que vocês não deixem passar suas próprias necessidades por priorizarem outras coisas como estudos, trabalho ou algum problema. São importantes? Claro que sim. Mas nada é mais importante que cuidar de si mesmo, e depois disso, cuidar das pessoas que nos cercam. Pessoalmente falando, esse foi um ano realmente cheio de altos e baixos,e com uns baixos que me fizeram tremer. Talvez eu tenha passado pelo pior momento de minha vida, mas com tempo, fé e pessoas queridas, a vida segue em frente. E alegria nesse ano também não faltou. FORMEI, GENTE! Depois de seis anos de faculdade (e desse querido blog que me deu uma baita ajuda nesse tempo), sou médico. Muita coisa boa aconteceu na contagem regressiva pro final do curso, muitas festas, lágrimas de alegria, e a formatura foi uma semana positivamente inesquecível.
Talvez este seja o último post de nosso blog. Ou não, mas sei que ficarei um bom tempo sem escrever por aqui. Então me despeço agradecendo a companhia ao longo dos últimos seis anos neste projeto que muitas vezes me fez esquecer problemas, além de tirar minha cabeça das obrigações cotidianas e me distrair ao escrever sobre cinema, literatura, música e algumas besteiras. Um 2018 de muita paz, saúde e realizações pra todos.
E pra não perder a prática, a recomendação de cinco filmes pra ver no fim de semana, no meio da semana, em qualquer hora. Filmes excelentes que o Sagaranando aprova, recomenda e assina embaixo.


1. Que horas ela volta? (2015)
A história é centrada em Val (Regina Casé), empregada doméstica numa casa de classe média alta em São Paulo que há mais de dez anos deixou sua família em Pernambuco em busca de trabalho que lhe permitisse dar melhores condições ao futuro de sua filha. Val praticamente criou Fabinho (Michel Joesas), filho de seus patrões, que nunca tinham tempo para o menino. Quando a filha de Val, Jéssica (Camila Márdila), chega em São Paulo para fazer o vestibular e fica na casa da família rica, acaba o sossego de Val e da patroa. O interesse que ela desperta nos homens da casa e a insubordinação diante da mãe, que considera uma estranha, cria uma tensão que perdura por boa parte do filme, que trata de maneira brilhante de temas como migração motivada por pobreza, relações familiares e a íntima e complexa relação entre patrões e empregados domésticos (mostrando que casa grande e senzala ainda perduram no País).
Nota: 10
2. O Escafandro e a Borboleta (Le scaphandre et le pappillon, 2007)
Uma nova definição de filme lindo. Sensibilidade é a palavra chave da história de Dominique Bauby (Mathieu Amaric), que depois de sofrer um derrame é vitimado pela raríssima síndrome do encarceramento, em que todo o seu corpo fica paralisado, exceto os olhos - sendo que todas as faculddes mentais ficaram preservadas. Para completar, seu olho direito precisa ser ocluído para evitar um ferimento na córnea, e ele fica dependente apenas do esquerdo. Com a ajuda de uma fonoaudióloga, Dominique aprende a se comunicar através de um sistema lento, mas eficiente, a partir do piscar de seu olho. Através da narração de Dominique, vemos como foi sua vida, os diversos erros que ele cometeu com seus entes queridos, a rua relação com seu pai e seus filhos, a amante que nunca o visitou depois da doença e a sua obstinação em compor um livro que se tornaria best-seller. Baseado em fatos reais.
Nota: 10
3. A vida dos outros (Das Leven der Anderen, 2006)
Pense duas vezes antes de dizer que o cinema não é mais o mesmo e que já não se produzem inesquecíveis obras-primas. A vida dos outros tá aí pra provar que o cinema de alta qualidade ainda resiste. Com roteiro e direção de Florian Henckel von Donnersmarck, um desconhecido até então, o filme é ambientado nos anos 80 na Alemanha Oriental, onde a Stasi, uma das mais controladoras polícias secretas da Cortina de ferro tocava o terror numa época em que não havia o menor indício de abertura política. O capitão da Stasi Gerd Weisler (Urich Müher) recebe a missão de espionar um dramaturgo e sua esposa, que é atriz, e se instala no mesmo prédio em que o casal mora, no andar de cima, ouvindo tudo o que se passa na casa deles. O que inicialmente era apenas uma missão e encarado com escárnio se transforma numa relação unilateral de solidariedade, levando o espião a duvidar de toda sua ética e crença no partido totalitário e questionar um estilo de vida sem liberdade e sem direito à individualidade. Em poucas palavras: um filme excepcional. Infinitos elogios ao roteiro, à direção e à atuação de Mührer, que era um experiente ator de teatro na Alemanha (inclusive fora espionado durante a Guerra Fria) e que infelizmente faleceu um ano após o lançamento do filme.
Nota: 10
4. Cabaret (1972)
Pra um público que viu o festival de alegria que é Catando na chuva na década de 50 e a fofura bonitinha demais que é Minha linda dama nos anos 60, imagine o choque ao chegar em 72 e ver Cabaret, que sai de cenários elegantes e vai para o subúrbio da Berlim dos anos 30, onde um país arrasado pela Guerra e pela Depressão era campo fértil para a disseminação das ideias totalitaristas e racistas de Hitler. Nesse rebuliço, Brian Roberts (Michael York), jovem americano, chega em Berlim para dar aulas de inglês, e logo conhece Sally Bowles (Liza Minelli), estrela do Kit Kat Club, a casa de shows mais animada da cidade. Sally é uma dançarina que sonha em ser uma grande atriz - típico, não? Mas a história do diretor Bob Fosse consegue ser surpreendentemente original, com seus ótimos números musicais que floreiam amores incompreendidos e ambição; é como diz uma das músicas: "money makes the world go round!". Cabaret também se destaca por dividir os holofotes do Oscar de seu ano com O Poderoso Chefão, faturando os prêmios de direção, atriz, ator coadjuvante (Joey Grey, mestre de cerimônias do Kit Kat e figura essencial no filme), entre outros. 
Nota: 10
5. Se meu apartamento falasse (The apartment, 1960)
Lembrei desse filme incrível porque já faz um tempo que o vi e não seria nada mal revê-lo (vou seguir minha própria recomendação). Escrito e dirigido por Billy Wilder, o filme acompanha o simpático C. C. Baxter (Jack Lemmon), funcionário de uma seguradora que caiu nas graças dos chefes por emprestar a eles seu pequeno apartamento ocasionalmente, por algumas horas, para que eles se encontrassem com suas amantes. As coisas se complicam quando Baxter se apaixona por uma dessas amantes, que também era sua colega de trabalho (Shirley MacLaine), e pela primeira vez questiona sua amoralidade diante dos favores que fazia a seus superiores - devidamente recompensados com promoções. Comédia imortal vencedora de cinco Oscars, incluindo melhor filme, roteiro e direção.
Nota: 10
Luís F. Passos

sábado, 30 de dezembro de 2017

Cinco livros em 2017

Bem amigos do Sagaranando, mais um ano se vai e aqui estamos mais um dia sob o olhar sanguinário do vigia pra comentar algumas coisas desta última volta da Terra ao redor do sol. Neste primeiro de dois posts sobre essa montanha russa chamada 2017, vamos comentar sobre alguns livros que tive o prazer de ler - além da alegria de ter lido um pouco mais nesse ano. Apesar do tempo curto na maior parte do ano, da correria da faculdade e da ocupação pré - formatura (formei, mas isso é assunto pra amanhã), 2017 rendeu ótimas leituras, e em um número um pouco maior do que nos últimos dois anos. Vamos às cinco obras que mais gostei:

5. O velho e o mar, Hernest Hemingway
Uma das maiores obras de Hemingway, este livro de menos de cem páginas figura entre os livros mais importantes do século. O velho e experiente pescador Santiago, depois de fixar 85 dias sem pescar um único peixe, se lança ao mar e se vê diante de um dos maiores desafios de sua vida. Ele pesca um marlin gigantesco que arrasta seu barco por dias, ao longo dos quais é estabelecida uma relação de respeito, ao mesmo tempo em que o pescador enfrenta seus próprios limites num enorme esforço de dominar sua presa. Essa é a essência do livro: a luta do homem contra a natureza e também contra sua própria natureza e sua própria essência. Um livro incrível,  exemplo do que o bom e velho Hemingway conseguia fazer de melhor.
Nota: 10
4. Cândido ou O Otimismo, Voltaire
Acho que posso dizer que este livro define genialidade. Usando de um sarcasmo aguçado, Voltaire narra a história do jovem Cândido, que morava em um castelo e era aprendiz do sábio Pangloss, que o instruiu sobre ser otimista a respeito das situações e das pessoas - claramente puro veneno para criticar Rousseau, a quem Voltaire se opunha. Cândido, seu mestre e sua amada Cunegundes comem o pão que o diabo amassou em diversas circunstâncias e em vários lugares diferentes. Apesar disso, nosso intrépido herói insiste em permanecer otimista e esperar o melhor das pessoas ao seu redor. Uma obra magistral em que não faltam críticas à filosofia, a monarquias, religiões,  exércitos e diversos setores da sociedade. Cinismo e sarcasmo do jeito que a gente gosta.
Nota: 10
3. Olhai os lírios do campo, Erico Verissimo
O primeiro romance de um dos mais queridos escritores gaúchos foi um sucesso imediato, e não é difícil imaginar o motivo. A vida de Eugênio Fontes é marcada pela pobreza, ascensão social e conflitos de consciência. Nascido na pobreza, Eugênio sofre humilhações pelas roupas velhas e remendadas, pela submissão e passividade dos pais, pela diferença de suas condições de vida e de seus colegas. Com muito esforço,  Eugênio se forma em medicina e se apaixona por uma colega de turma, Olívia,  mas acaba se casando por interesse com Eunice Cintra, herdeira de uma rica herança. Eventos inesperados fazem Eugênio repensar sua vida, sua trajetória e o verdadeiro significado de felicidade. Uma história um pouco triste, mas sensível, bela e envolvente.
Nota: 10
2. O sol é para todos, Harper Lee
O clássico de Harper Lee é um dos livros mais amados pelos leitores dos Estados Unidos e é conhecido e querido em todo o mundo. A bela estória de Atticus Finch, advogado de uma pequena cidade do Alabama, é narrada pelo olhar de sua filha Scout, que era uma criança na época dos acontecimentos da narrativa. Nos anos 1930, quando os direitos civis para os negros ainda eram um sonho distante, Atticus assume a defesa de um homem negro acusado de estupro, em um caso cheio de falhas, onde o que mais pesava para a acusação era a cor da pele do réu. Além do desafio no tribunal, o advogado ainda enfrenta o preconceito e o ódio de várias pessoas da cidade que abominavam o fato dele representar um cliente negro, acusado de um crime de tal gravidade. O enredo é conduzido com uma delicadeza singular e carrega um pouco da inocência que Scout tinha na infância, fase cheia de descobertas e aprendizado, em que ela e seu irmão têm a oportunidade de descobrir a importância de se livrar de preconceitos e dar valor às pessoas pelo que são, e não pelo que aparentam ser. Obra fundamental em tempos de tanta intolerância, como o que vivemos atualmente.
Nota: 10
1. Grande Sertão: Veredas, João Guimarães Rosa
Depois de anos, reli meu livro favorito, por dois motivos: vontade de reler e vontade de escrever sobre ele no aniversário de seis anos do blog. Seis anos depois da primeira vez que o li, a emoção foi praticamente a mesma, e a satisfação foi ainda maior. Neste (único) romance de Guimarães Rosa acompanhamos a narrativa do ex jagunço Riobaldo, já idoso, sobre sua vida: breve relato da infância e adolescência e um extenso relato sobre seus anos na jagunçagem no grande grupo de Joca Ramiro, a morte deste pelas mãos de traidores, os desafios para obter a vingança e a confusão de sentimentos para com Diadorim, companheiro de bando, grande amigo, e no meio de tantos conflitos internos, seu grande amor.
A genialidade de João Guimarães Rosa usa um jagunço do sertão mineiro para examinar as profundezas da mente do homem e a partir daí elaborar uma estória da mais ampla universalidade. Os dilemas de Riobaldo atravessam tempo e espaço: amor e ódio, o que é o bem e o que é mal, a existência ou não de Deus e do diabo, a ideia psicanalítica do poder da vontade, entre outros. Tudo isso, associado à beleza da narração sobre a natureza local e principalmente do amor de Riobaldo por Diadorim ("Diadorim deixou de ser nome e virou sentimento meu") fazem deste um livro único, maravilhoso e inesquecível. Deixou de ser meu preferido? Nonada.
Nota: 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Filmes pro final de semana - 01/12

1. Um limite entre nós (Fences, 2016)
Por mais que eu não acompanhe as novidades do cinema como antes, me esforço pra ver um ou outro filme que foi destaque no Oscar. Nesse ano minha ansiedade era pra ver o filme estrelado por Viola Davis e Denzel Washinton, dois nomes que despertam e muito a atenção para qualquer longa. Viola interpreta Rose, uma dona de casa casada com o gari Troy (Washington) há dezoito anos e mãe do jovem Cory, que sonha em ser atleta, a contragosto do pai. Cory tem o mesmo talento para o beisebol que seu pai tivera na juventude, porém Troy carrega uma frustração muito grande com o esporte por não ter conseguido consolidar uma carreira devido ao racismo. Tal discordância é motivo de conflito entre pai e filho, assim como eventos corriqueiros do dia a dia são motivos para outros conflitos na família. E quando junta conflitos e atores excelentes, o resultado não podia ser outro: atuações memoráveis. O filme tem o defeito de ser lento, mas diante de um roteiro tão sólido e de interpretações fantásticas, a gente supera. Viola rainha, o resto nadinha.
Nota: 9,5/ 10
2. Moonlight: sob a luz do luar (Moonlight, 2016)
O grande vencedor do Oscar desse ano - depois daquela gafe com La La Land - merece nosso respeito. Moonlight é um filme sóbrio, denso, pesado. Acompanha três momentos da vida de Chiron, primeiro a infância (com atuação de Alex Hibbert), marcada pelo bullying, depois a adolescência (assume Ashon Sanders) repleta de bullying, problemas com a mãe viciada em crack e a questão da auto descoberta, e por fim a idade adulta (interpretada por Trevante Rhodes), quando, agora com o nome Black, ele chefia o tráfico local. O filme é muito bom, apesar de ter uns defeitos como falhas no enredo, que não é tão coeso como se espera; além disso ele peca por não se aprofundar o suficiente nas angústias de seu protagonista. Beleza, o cara é fechado, reservado, mas o filme não deve fechá-lo para o espectador. Falhas à parte, tem o mérito de tocar temas como racismo, pobreza, sexualidade e preconceitos de uma forma bem sensível, leve, sem ser superficial ou clichê.
Nota: 9,0/ 10
3. Nise: O coração da loucura (2016)
Sem dúvida um dos maiores sucessos do cinema nacional do ano passado pra cá, Nise mostra a vida profissional da psiquiatra Nise da Silveira, pioneira da reforma psiquiátrica muito antes da reforma acontecer. Nise (Glória Pires) é contratada pelo Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, onde atrocidades, então consideradas modernos tratamentos, eram cometidas, tais como eletrochoques e lobotomias. Por se opor a tais condutas, Nise é transferida para o setor de Terapia Ocupacional, onde alguns pacientes faziam trabalhos de limpeza. A médica começa um trabalho árduo utilizando pintura, outras formas de arte e também a presença de cachorros para estimular a socialização e a comunicação de seus pacientes. Os resultados são ótimos, mas ela ainda é vista com bastante preconceito por seus colegas que seguiam a psiquiatria clássica e violenta. E claro, ela precisa enfrentar o machismo, já que era a única mulher psiquiatra do hospital (e havia sido a única mulher a se formar na faculdade, ao lado de 156 homens). Filme muito bacana que trata de um tema tão importante e tão pouco debatido pelo grande público, que é a saúde mental.
Nota: 9,0/ 10
4. Dúvida (Doubt, 2008)
Nova York, 1964. Numa tradicional e rigorosa escola católica do Bronx, a diretora, irmã Aloysius Beauvier (Meryl Streep), controla com mãos de ferro a educação de seus alunos. A escola é vinculada à igreja local, e consequentemente o pároco padre Brendan Flynn (Phillip Seymour Hoffman) também tem algum poder na administração escolar, além de dar aulas de educação física. A partir de um comentário feito pela irmã James (Amy Adams) sobre o excesso de atenção dada pelo padre ao único aluno negro da escola, Donald Miller, a irmã Aloysius começa uma verdadeira cruzada buscando a verdade por trás do padre, cujo comportamento liberal irrita a conservadora freira. Além do drama denso e muito bem elaborado, o filme é sustentado pelas excelentes atuações de seus três protagonistas, ambos os três indicados ao Oscar, e de quebra traz um fator adicional: Viola Davis, na época não muito conhecida, que aparece menos de dez minutos do filme mas é responsável por uma cena excelente junto a Meryl Streep (aliás, o trabalho de Meryl aqui é um dos que mais gosto na carreira dela) e também foi indicada a melhor atriz coadjuvante.
Nota: 8,5/ 10

5. Os Sapatinhos Vermelhos (The Red Shoes, 1948)
Ô coisas lindas são esses filmes antigos restaurados. Deus abençoe as fundações e os grandes estúdios que trabalham recuperando filmes para que não se percam no tempo, como metade de todos os filmes feitos antes de 1950. O primeiro filme restaurado que assisti foi Os Sapatinhos Vermelhos, a maravilhosa história de uma garota, Victoria (Moria Shearer) que por ter parentesco com a aristocracia inglesa teve de dar duro para mostrar seu valor no ballet, em especial para o diretor Boris Lemontov (Anton Walbrook). Quando enfim consegue a atenção do brilhante e exigente diretor, ganha o papel principal no novo espetáculo do grupo, Os sapatinhos vermelhos, baseado no conto de Andersen, sobre uma garota que calça sapatilhas mágicas e dança até morrer de exaustão. Um filme sobre amor, ciúmes e dedicação extrema que é muito belo e pra mim é um dos melhores filmes de dança já feitos.
Nota: 10

Luís F. Passos