quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Um Clarão nas Trevas - Audrey como você nunca viu

O mundo está muito acostumado com a visão adocicada de atriz de romances e comédias românticas com a qual Audrey Hepburn sustentou sua carreira. No entanto, é importante salientar que a atriz era mais versátil do que o que parece e, ao longo de sua carreira, buscou alguns trabalhos que fugiam totalmente de sua zona de conforto. Trabalhos menos conhecidos e menos populares que àqueles que a imortalizaram, mas que também mostram uma interessante faceta do talento artístico da atriz.
De seus trabalhos menos usuais, o de maior destaque é mesmo Um clarão nas trevas (Wait until dark, 1967). Neste filme, Audrey interpreta uma dona de casa cega chamada Susy Hendrix que, por um simples acaso envolvendo seu marido, uma mulher tão misteriosa quanto perigosa, e uma boneca aparentemente inofensiva, acaba sendo lançada numa grande confusão criminosa, envolvendo homens perigosos relacionados a assassinatos e tráfico de drogas.
O resumo do enredo do filme está muito curto, eu sei, mas sobre este realmente não posso falar nada. As peças do quebra-cabeça que compõe Um clarão nas trevas não são difíceis de serem decifradas, muito pelo contrário. Na verdade elas são dadas ao espectador. No entanto, revelar qualquer uma destas já é um verdadeiro banho de água fria para quem for acompanhar a história. Apesar de muito simples, o roteiro de Um clarão nas trevas é consideravelmente particular e muito bem realizado. A partir de uma premissa banal, o filme desenvolve uma história relativamente ousada para os anos 60 (visto que temáticas relacionadas tão explicitamente a drogas ainda eram raras no cinema da época) que conta com inúmeros momentos memoráveis. Todos eles, logicamente, relacionados com o grande elemento diferencial do filme: sua protagonista. 
A escolha de uma protagonista tão supostamente incapaz é simplesmente genial. Ao tornar a vítima e nossa heroína uma cega, o roteiro propõe uma variedade muito maior de limitações à personagem, tornando-a aparentemente muito mais vulnerável perante a ferocidade velada (que se revela feroz) de seus inimigos disfarçados. Essa vulnerabilidade, no entanto, é apenas uma impressão passageira, pois a maneira como a personagem pensa e luta é fenomenal. Se suas limitações físicas aliadas a seu temperamento bondoso e agradável a tornam, de imediato, uma personagem empática, a surpreendente força que esta mostra ao longo da trama, sobretudo nos momentos mais arriscados e perigosos, permite que qualquer um torne-se seu fã. Torcemos por Susy e acompanhamos atentamente todos os seus passos. Por traz da figura frágil e sensível que a imagem de Audrey Hepburn nos mostra, está escondida uma personagem de grande determinação, o que torna tudo muito mais interessante.
Um clarão nas trevas também sabe como criar momentos de tensão. O filme passa quase toda sua duração num nível baixo de tensão, que não é exatamente um suspense ou sequer um thriller. À medida que Susy vai montando as peças do que para nós é algo extremamente óbvio de ser percebido, o clima do filme vai mudando. De clareza, passa para um estado de confusão que culmina com a excelente conclusão da trama. Um dos elementos muito bem utilizados durante o impasse final entre Susy e os criminosos em busca da boneca é o uso da escuridão. O apartamento onde praticamente toda a trama se desenrola é levado à total escuridão e, desta forma, por poucos minutos somos levados ao mundo sombrio e indecifrável em que Susy vive. Se durante quase todo o filme nós, espectadores, estávamos cientes de absolutamente tudo que estava acontecendo enquanto a pobre protagonista lutava para somar as pequenas evidências que explicariam o acontecimento de tantas improbabilidades, nesses poucos minutos é proposta uma inversão de papéis, em que nós somos colocados na escuridão. São os momentos áureos do filme.

Nota: 8/ 10

Leia também:
A princesa e o plebeu
Bonequinha de luxo
Sabrina

Lucas Moura

Nenhum comentário:

Postar um comentário