terça-feira, 13 de agosto de 2013

Um corpo que cai - vertigem, amor e obsessão

Ao contrário de Janela indiscreta (1954) ou Psicose (1960), filmes que obtiveram imenso reconhecimento junto ao grande público, Um corpo que cai (Vertigo, 1958) não obteve boa bilheteria e ainda foi esmagado pela crítica. Na época foi considerado muito complexo e sustentado em planos diabólicos quase impossíveis - como isso não fosse o seu grande diferencial. Por um lado, não é de se estranhar a rejeição ao filme, já que se trata de um suspense um tanto longe do convencional; mas eu não vejo o motivo que leve alguém a não se envolver com um clima de mistério de tão elevada qualidade.
A excelente abertura  começa com um close num rosto feminino: primeiro o queixo, depois o meio, por fim os olhos, em que aparece o título Vertigo e espirais numa sequência de efeitos especiais inovadores para a época; espirais estas que acompanham o problema do protagonista do filme, o detetive Scottie (James Stewart, parceria recorrente de Hitchcock), que sofre de vertigem.  Na primeira cena vemos Scottie, então policial, numa perseguição a um criminoso por telhados de prédios de San Francisco, quando ele escorrega e fica pendurado numa calha, daí um colega tenta ajudá-lo, cai e morre. O acidente traumatiza Scottie e o leva a se aposentar da polícia e se ocupar como detetive particular.
Algum tempo depois Scottie é contratado por um colega de muitos anos atrás para seguir sua esposa, que segundo ele vinha apresentando um comportamento muito estranho, e ele chegou a desconfiar que ela estava possuída pelo fantasma de sua bisavó, com quem tinha uma impressionante semelhança física. O detetive então passa a investigar a linda e elegante Madeleine (Kim Novak, que se tornou uma das mais lindas loiras Hitchcock), que realmente era idêntica a sua antepassada, e parecia estar em outro mundo: ia a vários lugares apenas para fixar o olhar no vazio ou andar em círculos. Durante todo o tempo em que é seguida, a moça não pronuncia uma só palavra, e só ouvimos sua voz aos quarenta e cinco minutos de filme. Toda esta primeira parte é marcada pelo suspense tão primoroso de Hitchcock, que aqui beira o sobrenatural. O espectador se vê diante de uma incógnita assim como Scottie. E quando parece que a investigação tomará algum rumo, nos deparamos com uma das melhores e mais radicais reviravoltas do cinema, que põe fim à primeira parte.
A partir da metade do filme, Hitchcock passa a explorar mais a fundo a mente de Scottie, suas manias, neuroses e obsessões. Não posso falar mais nada sobre o enredo, pois fazer spoiller de Um corpo que cai é estragar as surpresas garantidas por um dos melhores filmes de todos os tempos, mas me permito dizer que quando a história parece estável e nos arriscamos a prever o final, o mestre do suspense novamente surpreende, mudando bruscamente o destino das personagens. Repito: não sei onde as pessoas da época viram defeitos nesse filme. Antes de mais nada, Um corpo que cai é marcado pelo perfeccionismo de seu diretor, afinal, Hitchcock podia não ser um maníaco como Kubrick (que chegou a fazer 140 tomadas da mesma cena em O iluminado), mas também era muito rigoroso com a técnica. Dá pra perceber isso na abertura, no delicado clima sobrenatural da primeira parte, no jogo de cores usado para relacionar cenas da primeira metade com a segunda e na bela fotografia em cores. Grande destaque para dois colabores assíduos de Hitchcock: a estilista Edith Head, que assina as lindas roupas usadas por Kim Novak, e o compositor Bernard Herrman, cuja música é elemento chave para o clima de suspense de todo o filme, e que não deve nada para a música de Psicose, também composta por ele. Se a música do filme de 1960 é perfeita para o terror dos violentos assassinatos do Bates Motel, a de Vertigo é perfeita para a permanente tensão diante dos mistérios que Scottie tenta desvendar.
O que mais posso falar? Que este é um filme envolvente, maravilhoso, perturbador, friamente romântico e capaz de ser interpretado de tantas outras formas. É daqueles que basta assistir uma vez para entrar na lista de preferidos - o que aconteceu comigo. E apesar da rejeição enfrentada há cinquenta e cinco anos atrás, a partir dos anos 80 Vertigo foi ganhando espaço junto à crítica, e ganhou tal fôlego que ano passado subiu para o primeiro lugar na lista de melhores filmes da Sight and Sound, tirando Cidadão Kane de um lugar que fora dele desde a primeira edição da lista, em 1962. E mesmo sendo grande fã dessa obra prima, tenho minhas dúvidas se ela merece ocupar tal posição. De todo jeito, é um filme obrigatório para cinéfilos e uma ótima experiência que só gênios do quilate de Alfred Hitchcok poderiam produzir.

Nota: 10

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Sombra de uma dúvida

Luís F. Passos

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