domingo, 4 de agosto de 2013

Amor - na saúde e na doença

Há uma tendência no cinema mundial de valorizar a simplicidade, usando a máxima "menos é mais". Percebemos isso ao ver filmes premiados em festivais europeus e também em premiações americanas como Oscar; por exemplo, na edição de 2010/2011, Cisne negro, apesar de ser um dos favoritos ao prêmio de melhor filme, foi derrotado pelo simplório O discurso do rei - na verdade uma injustiça, mas eu acredito que era difícil para o filme sobre balé e auto-destruição sair vencedor. Para mim, A rede social ou mesmo 127 horas, filmes mais presos à realidade, teriam maiores chances.
Mas a questão de prestigiar filmes aparentemente mais simples não é só uma tendência e realmente tem motivos para vigorar. Um forte exemplo é o filme francês Amor (Amour, 2012), que saiu vencedor da Palma de Ouro em Cannes e do Oscar de melhor filme estrangeiro. Tal simplicidade é vista principalmente no apartamento que é praticamente o único cenário do filme; um antigo e espaçoso apartamento mobiliado sem luxo mas com muito bom gosto, o que indica a afeição de seus moradores pela arte. São eles o casal de octogenários Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emanuelle Riva), músicos aposentados que desfrutam de uma velhice invejável, sadios, lúcidos e tendo todo o tempo do mundo para aproveitar as artes que sempre apreciaram, em especial a música erudita.
A vida perfeita levada por Georges e Anne começa a ruir num dia em que eles tomavam café da manhã e no meio de uma conversa ela parece simplesmente congelar. Não se movia, não piscava, não reagia aos chamados e aos toques de seu marido, voltando a si alguns minutos depois sem se lembrar do que ocorrera. Depois de alguns exames, é constatado que Anne sofrera uma oclusão numa das carótidas, o que estava causando danos a seu cérebro e uma cirurgia é feita às pressas, com a quase certeza de sucesso. Mas as complicações, apesar de inesperadas, surgiram e foram sérias: o derrame atingiu a área motora do cérebro de Anne e ela perdeu os movimentos de todo o lado direito de seu corpo.
A volta de Anne para casa traz uma nova realidade à vida do casal: Georges se mostra incansável e extremamente dedicado para atender a todas as necessidades da esposa, apesar da filha Eva (Isabelle Huppert) insistir que ele não deveria fazer tudo sozinho. A ajuda vinha do porteiro, que fazia as compras, e de uma enfermeira contratada para trabalhar em um turno. É a parir daí que surge a comoção do filme, à medida que a beleza e vivacidade do rosto de Anne é substituída por palidez e apatia - os danos cerebrais se estendem e ela vai perdendo a memória e a consciência das coisas - e o apartamento outrora elegante e cheio de música se converte num mausoléu. Mesmo assim, o amor de Georges permanece forte e irredutível, ao pé da cama, ao lado da esposa nas refeições, nas horas de leitura, no banheiro. O filme então se mostra incrível acompanhando os esforços de Georges e o que ele precisa enfrentar para que seja feito aquilo que ele julga melhor para Anne: discussão com uma enfermeira numa cena muito tensa ou várias discussões com a filha ao longo da película igualmente tensas. Tensão que é muito bem criada pelo ótimo desempenho de todos os atores, em especial os protagonistas, ambos espetaculares. É difícil não contestar a derrota de Emanuelle Riva para Jennifer Lawrence no Oscar, já que a única concorrente do mesmo nível era Naomi Watts por O impossível - e também nos perguntamos por que Jean-Louis Trintignant também não recebeu uma indicação.
O premiado aqui foi o diretor Michael Haneke, e é fácil ver o porquê. Perfeito em sua direção, põe o espectador no lugar certo em cada cena, em cada ângulo, dando ao filme um lento e doloroso ritmo marcado pelo brilhante roteiro que só precisava de excelentes diretores e atores para se tornar a obra prima que é Amor.

Nota: 10

Luís F. Passos

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