domingo, 16 de junho de 2013

Psicose - o maior legado de um gênio

Tem cenas de filmes que de algum modo conseguem ser tão impactantes que alcançam enorme popularidade e são facilmente lembradas por aqueles que já as viram. Pode ser por transmitir horror, como o Singin'in the rain de Laranja Mecânica (em que Alex estupra uma mulher diante de seu esposo enquanto canta a famosa música); romance, como o "Nós sempre teremos Paris" de Casablanca; por serem inusitadas como a cena do twist em Pulp Fiction; ou comoventes como a marcha para o campo de concentração em A Lista de Schindler (em que aparece uma menina vestida de vermelho). E se falarmos em filmes de terror, não tem como não lembrar da cena do assassinato no chuveiro de Psicose ou do "Here's Johnny!" em O iluminado - sendo a primeira uma das mais famosas  e icônicas de todo o cinema. Afinal, estamos falando da obra-prima do mestre do suspense, Alfred Hitchcock, que deixou um dos mais ricos legados cinematográficos, seguidos por grandes diretores como Scorsese, Spielberg e Tarantino.
Em Psicose temos uma moça chamada Marion Crane (Janet Leigh), uma secretária que rouba 40 mil dólares de seu patrão sem nenhum objetivo determinado, visando apenas fugir em busca de seu amante casado. Na viagem, mil coisas passam na cabeça de Marion, inclusive devolver o dinheiro e tentar minimizar o estrago, mas esse pensamento se esvai. Numa noite chuvosa, ela busca abrigo no Motel Bates depois de se perder numa estrada secundária, e lá conhece o dono do estabelecimento, Norman Bates (Anthony Perkins). Norman é um cara aparentemente bonzinho, simpático e tímido diante de mulheres, o que dá para perceber durante o breve contato entre ele e Marion, em que ele também fala de sua mãe inválida, sua única companhia no sombrio casarão ao lado do hotel - e ao falar nela, sua falsa simpatia desaparece. Esses poucos minutos em cena e a personalidade fechada de Norman impedem que o espectador saiba maiores detalhes sobre ele, e menos ainda sobre sua mãe.
E então... um chuveiro, uma cortina afastada, violinos gritando, e Marion é assassinada a facadas, e do assassino vemos apenas a sombra, supostamente de uma mulher idosa. A incrível virada em que a protagonista é morta fez milhares de pessoas gritarem e pularem das poltronas nos cinemas; afinal, além de todo o terror da cena, nunca uma protagonista morrera antes da metade do filme! E a cena foi lapidada por Hitchcock pra ser o mais real e perturbadora possível para os padrões da época, foram feitas 77 tomadas e a edição demorou uma semana, números incríveis para uma cena de menos de dois minutos. Para realçar o choque da imagem do sangue, Hitchcock usou xarope de chocolate para destacar o líquido na fotografia em preto e branco. E além dos desafios do processo criativo, houve o desafio de convencer a censura a liberar o filme, já que há um momento em que Marion joga um papel rasgado no vaso sanitário e dá descarga, "coisa indigna de ser exibida para as famílias americanas" mas que é uma passagem importante nas sequências do filme. Outro ponto difícil  foi a nudez de Janet Leight na cena do chuveiro, já que em alguns momentos é possível ver os seios da atriz (mesmo sem mamilos polêmicos).
Dando continuidade à história, aparecem o detevive Aborgast (Martin Balsam), a irmã de Marion, Lila, e o amante da defunta, Sam (John Gavin), personagens secundárias frente à assustadora performance de Anthony Perkins como Norman. Perkins domina o filme a partir da cena do chuveiro, fazendo o público esquecer dos quarenta mil dólares roubados e preparando terreno para um final interessante e surpreendente como poucos, que mesmo sendo explicado por algumas das personagens, mostra que a motivação de alguns crimes vai além da compreensão da mente racional.
Psicose (Psycho, 1960) é baseado no livro homônimo escrito um ano antes por Robert Bloch, que foi lido por Alfred Hitchcock e imediatamente cativou o diretor - mas não os executivos da Paramount. Hitchcock teve então de desembolsar 800 mil dólares, arriscando sua reputação e seu patrimônio pessoal e tendo de usar toda sua genialidade para criar um filme capaz de invadir o imaginário popular, substituindo o sobrenatural por um monstro de carne e osso; mostrando que em pessoas aparentemente pacíficas fatores como sexo e loucura podem desencadear as piores reações.
Como diria nosso amigo coronel Nascimento, "o Sistema é f*, parceiro". Mesmo depois do filme pronto, a Paramount ainda duvidava da capacidade de Psicose se tornar um sucesso, lançando-o em apenas dois cinemas, e sem premiére. Coube a Hitchcock bolar uma saída: elaborou o "Manual de Como Vender Psicose", um encarte em que proibia a entrada de pessoas após o início do longa, aconselhava a contratação de seguranças para o possível caso de espectadores que ficassem transtornados com a violência do filme e fechar as cortinas sobre a tela logo após o fim do filme. Tal manual foi mais eficaz do que qualquer publicidade que a Paramount poderia produzir.

Nota: 10/ 10

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Luís F. Passos

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