quarta-feira, 8 de maio de 2013

Disque Butterfield 8 - cinema clássico também erra

Existe uma tendência no cinema, sobretudo entre aqueles que se consideram cinéfilos cult, ou algo do tipo, de acreditar que a verdadeira arte cinematográfica remete ao cinema clássico, classificando a maioria da obra moderna, pelo menos dos anos 80 ou 90 para cá, como uma porcaria e tudo da chamada era de ouro, também incluindo as décadas de 50 a 70, como de qualidade e valor artístico inquestionável. Na verdade, o importante mesmo é perceber que o cinema de verdade não se limita a uma questão de tempo, mas sim de relevância da obra. É tão errado dizer que o cinema de hoje é uma grande porcaria quanto dizer que 1939 foi o maior ano da história do cinema. Seja moderno ou clássico, o que vale é a qualidade artística e técnica do filme em questão, sua relevância para a indústria e as características que o tornam especial não apenas para crítica e público em geral, mas, principalmente para quem o vê.
Pelo menos é dessa forma que eu tento analisar as coisas. Muitos de meus filmes preferidos não são clássicos e passam longe da era de ouro. De um modo geral, tenho uma preferência maior pelo cinema dos anos 70, que – numa classificação que também acho muito aleatória – são considerados clássicos modernos. Essa minha preferência cinematográfica também inclui meus atores preferidos. Quase todos são desta época. Jack Nicholson, Robert De Niro, Al Pacino, Dustin Hoffman, John Voight, Diane Keaton, Meryl Streep, Jane Fonda, Sissy Spacek são alguns de meus atores preferidos relacionados com o cinema em questão, pois acredito que seus trabalhos foram de uma relevância até antes não vista na história do cinema. Atualmente, apesar do cinema de fato não estar nos seus melhores dias, também temos diversos talentos inquestionáveis de jovens atores que ainda estão entre seus 20 ou 30 anos. Ryan Gosling, Amy Adams, Anne Hathaway, Natalie Portman, por exemplo, são atores que sou muito fã e que acredito terem um potencial enorme, sendo que já provaram grande valor. Mesmo assim, ainda se atribui o título de melhores atores de todos os tempos aos nomes do passado por desempenhos muitas vezes inferiores ao que vemos hoje em dia. Por exemplo, muitos cinéfilos preferem a morte a admitir que Natalie Portman mereceu muito mais seu Oscar que Audrey Hepburn. Muitos estão dispostos a bradar que a vitória de Jennifer Lawrence (segunda mais jovem a vencer em melhor atriz) é errada, mas não se dispõem a afirmar o mesmo de Joan Fontaine (quarta mais jovem a vencer em melhor atriz) por Suspeita. Outros não cansam de encher a boca para dizer que Gwyneth Paltrow é uma das piores das vencedoras do Oscar (levando em consideração o filme pelo qual venceu) e esquecem-se de Elizabeth Taylor. Sim, Elizabeth Taylor. Apesar de ser uma das maiores estrelas que o cinema já viu – com talento e beleza incontestáveis – ela, pra mim, é a representação clara de tudo o que acabei de falar. Mesmo sendo tão excepcional, também cometeu erros e uma boa prova de filme ruim do cinema clássico é Disque Butterfield 8 (Butterfield 8, 1960), que mesmo dependendo do talento de uma das maiores dos anos de ouro, é um lixo.
A história é fraca, clichê e irritante. Gloria (Liz Taylor) é a clássica garota de programa de luxo que se apaixona por um dos clientes, o rico e patético Sr. Ligget. Mesmo tendo o carinho constante de seu bom amigo e de sua mãe – que fingem ignorar as noitadas e os diversos casos de Gloria – leva uma vida leviana em todos os aspectos. Claro que isso a incomoda e de diversas maneiras o que ela tenta nos mostrar é que por dentro é um ser humano. Uma mulher indefesa com traumas do passado lutando para encontrar respeito, auto-estima e um verdadeiro amor. Enfim, um blábláblá super clichê. Não vejo problema num filme ser clichê, afinal, muitas obras incríveis não guardam sua originalidade em sua proposta fundamental, mas sim em como se desenvolvem, tendo sempre que trazer algo que os torne sobressalentes. Isso não existe em Disque Butterfield 8. Tudo cai no lugar comum. O filme não reserva nenhuma surpresa – até a origem do trauma de Gloria é bem previsível –, os diálogos são ruins sempre tentando ser emocionalmente manipulativos ou profundos, tornando-se várias vezes patéticos. As personagens são todas superficiais, sendo a melhor amiga rabugenta da mãe de nossa protagonista a que considero mais divertida. O Sr. Ligget (não conheço o ator) é muito chato, sendo todos seus passos previsíveis. A mãe é uma pobre coitada sem nenhum tipo de atrativo – nem mesmo compaixão ela consegue despertar por não se fazer presente em tela tempo suficiente para tal. O melhor amigo (o qual já esqueci o nome) tem um relacionamento indefinido demais com Gloria para ser levado em conta.
Enfim, Disque Butterfield 8 (já ia esquecendo de explicar, mas Butterfield 8 seria a espécie de agência ou sei lá o quê em que Gloria trabalha) é ruim do começo ao fim e acredito que os produtores soubessem disso. Tanto que apostaram alto escalando uma atriz de alto calibre para interpretar a protagonista desta besteira. Elizabeth Taylor vivia o auge de sua carreira, tendo sido indicada três vezes consecutivas ao Oscar de melhor atriz (a quarta indicação e primeira vitória veio justamente por Butterfield 8) e realmente, foi uma boa escolha. Seu tipo físico e sua beleza eram ideais a uma personagem sensual e confusa e ainda viam acompanhados de uma atriz excelente e popular. Bom, Taylor se esforça, mas nem ela salva o navio de afundar. Em suas próprias palavras, o filme é uma merda. Ainda saiu vencedora do Oscar de melhor atriz, o que é algo que definitivamente não tem explicação a não ser mais uma daquelas tentativas frustradas de fazer alguma compensação a um ator injustiçado, tirando o prêmio de Shirley MacLaine, verdadeira merecedora.
Por ter um conteúdo sexual, talvez Butterfield 8 tenha gerado algum barulho em 1960, mas não tem força suficiente para chamar atenção nos dias de hoje como os filmes baseados em obras de Tenessee Williams que foram produzidos naquela mesma época e que também tem um conteúdo sexual forte e muito mais implícito são capazes de fazer. De clássico mesmo, só tem a idade. O resto todo é irrelevante.
Obs: quer ver Liz Taylor de verdade? Assista Um lugar ao sol, De repente no último verão, Gata em teto de zinco quente e, principalmente, Quem tem medo de Virgina Woolf?. Esses sim são cinema em grande forma – independente de serem clássicos ou não.
Obs2: Quem tem medo de Virginia Woolf? é a segunda vitória de Taylor no Oscar de melhor atriz e também uma das melhores atuações do cinema. É algo impressionante. Desta forma, a atriz com seus dois prêmios ocupa posições entre as melhores e as piores vencedoras.

Nota: 4/10

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Lucas Moura

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