sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Morangos Silvestres - uma vida em um dia

Milhares de filmes já repetiram a fórmula clássica da “viagem de autoconhecimento”. Uma pessoa, confusa, acaba encontrando-se e aceitando uma determinada condição em sua vida quando resolve botar o pé a estrada e seguir para um lugar novo. Muitos filmes usam disso, mas poucos conseguem elevar essa questão para algo mais significativo, com uma análise realmente pungente sobre questionamentos diversos que afetam não apenas a vida íntima da personagem em questão, mas também problemáticas e dúvidas inerentes ao ser humano. Morangos silvestres (Smultronstället, 1957) consegue fazer isso de forma magistral, numa viagem que não envolve apenas um deslocamento geográfico pela Suécia, como também um mergulho no passado de um velho solitário, a aceitação de sua condição como mortal, a compreensão de sua frieza e até o achado de certo tipo de compaixão aparentemente velada e que pode ser determinante na vida de um jovem casal. 
O velho solitário em questão é Isak Borg (Victor Sjöström) que resolve viajar de carro de sua casa até a cidade de Lund para receber um prêmio na universidade na qual lecionou por mais de 50 anos. No caminho, ele leva consigo sua nora, Marianne (Ingrid Thulin), com quem tem pouco contato e que está numa encruzilhada entre decidir largar ou não seu marido, filho de Isak, por este ser tão frio e distante quanto o pai; três jovens, uma deles chamada Sara (Bibi Andersson), uma garota bonita e entusiasmada que lembra o primeiro e verdadeiro amor de Isak, sua prima de mesmo nome que casou com seu irmão mais velho; um casal de meia idade que não se entende de forma alguma e que remete não apenas ao antigo relacionamento de Isak com sua falecida esposa como também a perspectiva para o futuro do relacionamento de Marianne e seu marido; e muitas, muitas lembranças. 
No período de um dia, Isak corre de encontro ao seu passado. Dizem que para entendermos nossa vida presente devemos buscar as respostas em nossas raízes, ou seja, em nossa infância. É por esse caminho que Freud construiu seu trabalho e também é a esse caminho que Ingmar Bergman recorreu em toda a sua extensa filmografia. Em meio a devaneios, sonhos e simples recordações, Isak viaja para seus anos de juventude, onde encontra a gênese de todo seu conflito. Sua vida de frustrações e solidão tem como semente uma grande desilusão amorosa, uma vida voltada exclusivamente para o trabalho, negando o contato social, e uma relação fria e distante com os pais, que transmitiram essa falta de afeto como se fosse um fator genético.
Morangos silvestres vai levantar ainda vários outros questionamentos. Além do encontro com o passado, temos aqui a clássica dicotomia entre ciência e religião. Tema recorrente na filmografia de Bergman, o cético cientista Isak acompanha a dualidade entre essas duas correntes pela oposição dos dois jovens rapazes que acompanham a alegre Sara, e disputam a atenção desta. Aliás, a relação entre juventude e velhice também é tema do longa. Essa relação não é tratada apenas de forma conflituosa, mostrando divergências de gerações, mas aparece de maneira harmoniosa, onde Isak e os rapazes se entendem de fato. Dialogam, trocam experiências, respeitam-se e estão dispostos a ouvir e aprender uns com os outros. A relação entre a vida e a morte também não poderia ficar de fora. Obviamente, Isak teme a morte e a sente muito próxima a ele a todo o momento, mas passa por todo um processo de aceitação da presença desta.

Leia também: Persona

Lucas Moura

Um comentário:

  1. Adorei sua crítica, muito concisa,tinha assistido o filme a uma semana e fiz também meu texto a respeito. www.unsalguns.blogspot.com

    Marcelo S. Costa

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