domingo, 16 de dezembro de 2012

Hannah e suas irmãs - o filme mais abrangente de Woody Allen

Todos sabem como Woody Allen gosta de trabalhar com elencos grandes e afiados e roteiros bem estruturados, interessantes e pensativos. Seguindo essa fórmula simples, o diretor/roteirista/ator criou um universo de trabalhos consistentes e alguns bons clássicos do cinema americano. No entanto, em toda sua longa filmografia poucas obras têm o peso e a absurda qualidade de Hannah e suas irmãs (Hannah and her sisters, 1986) um grande sucesso de sua carreira que permaneceu sendo sua maior bilheteria por mais de duas décadas.
O conto se passa em Manhattan (belíssima, como sempre). Mais precisamente dentro de uma família aparentemente comum, porém formada por pessoas totalmente diferentes e passionais, que vivem suas próprias crises particulares. No centro de toda essa família está uma mulher muito determinada e aparentemente a personificação do equilíbrio e da estabilidade, Hannah (Mia Farrow). Em diferentes perspectivas, tudo gira em torno dela, principalmente suas duas irmãs, Holly (Dianne Wiest) e Lee (Barbara Hershey), e seu marido Eliot (Michael Caine). 
Holly, a irmã mais nova, é nitidamente desequilibrada. Uma completa fracassada, ex-viciada em cocaína, aspirante a atriz que não consegue nunca dar um rumo para sua vida. Perdida, depressiva, desorganizada e com uma auto-estima baixíssima. Vive basicamente de um bufê, numa parceria inconstante com uma amiga (Carrie Fisher, mais conhecida como Princesa Leia) e de empréstimos que pede a sua irmã Hannah que jamais nega apoio financeiro e emocional a irmã, mesmo sabendo que pouco vai adiantar e que mais cedo ou mais tarde as novas empreitadas de Holly irão falhar. Lee vive um relacionamento conturbado e sufocante com um intelectual muito mais velho (Max Von Sydow) e, após muitas investidas diretas e indiretas de seu cunhado, Eliot, que se diz perdidamente apaixonado por ela, acaba cedendo e os dois passam a viver um relacionamento amoroso extraconjugal. Eliot, por sua vez, alia uma forte atração por Lee ao mesmo tempo em que se sente um completo inútil ao lado de sua esposa, que julga ser auto-suficiente demais para precisar de seu apoio.
A grande chave de Hannah e suas irmãs está fundamentada nessas quatro personagens e em seus relacionamentos. Ao mesmo tempo em que Hannah é a âncora que os impede de afundarem de vez, a sua estabilidade acaba soando demasiadamente negativa para eles, tornando a relação muito delicada e criando um relacionamento fundamentado em muitos ressentimentos e em certa rivalidade. Holly se ressente por Hannah por esta ser tudo o que ela jamais conseguiu ser. Lee acaba se tornando uma rival sexual da própria irmã, ao mesmo tempo em que se sente permanentemente culpada por estar cometendo algo tão ruim a uma pessoa tão boa. Eliot vive uma permanente indecisão sobre seu amor à esposa, sem conseguir distinguir o que realmente rege o relacionamento dos dois. Por mais que aparente ser forte, a própria Hannah também tem seus limites, suas limitações e suas inseguranças, que é forçada a esconder de todos justamente por ocupar o papel de quem une toda uma família.
Paralelamente aos conflitos psicológicos no núcleo de Hannah e suas irmãs, temos pequenos conflitos amorosos e a figura inesquecível de Mickey, ex-marido de Hannah, interpretado pelo próprio Woody Allen. Mais uma vez, é a representação típica de sua persona, que aqui aparece em menos evidencia justamente para maximizar o caráter mais complexo de seu núcleo principal, sobretudo com relação a Michael Caine e seu Eliot, a personagem mais ampla do filme. Apesar de aparições reduzidas, Mickey é uma figura importantíssima para a qualidade do filme como um todo. Ao acreditar que estava seriamente doente (“tenho um tumor cerebral do tamanho de uma bola de basquete. E agora que eu sei, posso senti-lo cada vez que pisco os olhos”) devido a sua exagerada hipocondria, ele é levado a uma enorme reflexão filosófica e religiosa sobre o sentido da vida. Claro que esse é um elemento evidente ao longo de todo o trabalho do diretor, mas acredito que esse tipo de questionamento existencial do homem, dentro da filmografia de Allen, nunca foi tão bem tratado e tão bem exposto como nesse filme. Até chegar a sua conclusão final, que envolve uma cena fantástica em que há a aceitação da falta de respostas sobre o sentido da vida e que tudo o que nos resta é aproveitar enquanto temos tempo, existe uma longa seqüência de piadas irônicas envolvendo religião, vida e morte.
É notável também que há uma clara inspiração em Ingmar Bergman nesse filme, sobretudo no teor filosófico e psicológico do longa. Bergman, aliás, foi um dos maiores ídolos de Allen. De inúmeras formas, Hannah e suas irmãs é sim um de seus trabalhos mais amplos, talvez o mais amplo de todos. Mesmo mantendo elementos tradicionais recorrentes de outros filmes, aqui há uma maximização da personalidade das personagens, que são mais detalhas e expostas. O lado dramático convive em igual medida com o caráter cômico, as análises sobre amor e sexo são relativamente minimizadas (apesar de contar com passagens românticas incríveis) para ampliar o relacionamento familiar e as crises morais e afetivas das personagens, bem como suas tentativas desesperadas de achar o caminho certo a seguir. Sendo assim, ao analisar dessa forma, Hannah e suas irmãs é sim mais amplo que Annie Hall e Manhattan, que são consideradas as duas principais obras-primas de Allen (junto a Crimes e pecados, de 1989), que se restringem mais a relacionamentos amorosos e que são mais voltados à comicidade.
Indicado a sete categorias no Oscar, e vencedor de três: melhor roteiro original (Allen), melhor atriz coadjuvante (Dianne Wiest, ótima e mais interessante personagem do filme, em minha opinião) e melhor ator coadjuvante (Michael Caine, ótimo). Ainda seria totalmente aceitável uma indicação para Barbara Hershey (a mãe de Nina em Cisne negro) como Lee.

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