sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A Montanha Mágica - 1001 páginas para ler antes de morrer

Hoje escolhi falar sobre Thomas Mann, escritor alemão, Nobel de Literatura em 1929. Considerado como um dos maiores romancistas do século XX, escreveu obras reconhecidas como Os Buddenbrooks (1901), Doutor Fausto (1947) e A Montanha Mágica (1924), sobre a qual discorrerei.
O livro narra a história de Hans Castorp que foi visitar o primo, Joaquim Ziemssen no Sanatório Internacional de Berghof, a 1600 m de altitude nas montanhas da Suíça. Mais tarde descobre a si mesmo como tuberculoso e sua visita de três semanas acaba virando uma estada de sete anos, quando sai do sanatório para combater na Grande Guerra. E é isso. Porque então ler um livro de 1000 páginas com um enredo tão simples que cabe em um parágrafo? Porque nos faz refletir em cada uma de suas digressões filosóficas, políticas e sociais, porque somos transportados para época pré-guerra e podemos sentir o espírito europeu vigente, com suas diferentes idéias, porque nos envolvemos com o ambiente do Sanatório e com cada um de seus hóspedes.
Aliás, o Sanatório merece um destaque a parte. Ele é na verdade um microcosmo que reúne gente de todos os lugares, com todo tipo de idéia e com personalidades diferentes. A sala de refeições, onde passam a maior parte do tempo, é divida em sete mesas, cada qual com um “grupo social”, como a “sociedade meio-pulmão” (pacientes que realizaram o pneumotórax), ou a mesa dos “russos distintos” ou a dos “russos ordinários”. É um lugar onde “não há tempo nem vida” onde “se modificam todas as concepções”. Isso devido à monotonia do ambiente montanhoso com sua neve eterna aliado ao próprio regime do internamento. Com cinco fartas refeições por dia, seguidas do repouso obrigatório, nada melhor que as palavras do próprio narrador para definir a concepção de tempo lá:
“Se o dia se tornava breve pela múltipla subdivisão, de noite era a monotonia amorfa do progresso das horas a que produzia o mesmo efeito”.
E é lá onde nosso caro Hans que viria passar três semanas, onde a menor unidade de tempo é o mês, acaba ficando para tratar sua tuberculose recém descoberta. Aproveito o ensejo para caracterizar o nosso herói. Na época com 24 anos, escolheu a profissão de engenheiro naval, mas poderia muito bem ter escolhido outra coisa, desde que lhe permitisse “sair airosamente perante si mesmo e aos olhos do mundo”. Era um “jovem singelo ainda que simpático”, membro da aristocracia, mimado e franzino que gostava de viver bem. Nas palavras do autor:
“Hans Castorp não era nem um gênio nem um imbecil, e a razão de evitarmos, para sua qualificação, o termo “medíocre”, reside em circunstâncias que nada têm que ver com sua inteligência e quase nada com sua singela personalidade; fazemo-la devido ao respeito que temos pelo seu destino, ao qual nos sentimos inclinados a atribuir certa significação ultraindividual.”
Chega lá como uma ‘folha em branco’ e aos poucos acompanharemos seu amadurecimento intelectual e o vemos ser tragado pelo sanatório. Não demora muito e já estará usando expressões como “nós aqui de cima”, parará de usar chapéu (um hábito de “lá de baixo”), começará a tomar nota de sua temperatura várias vezes por dia, aprenderá o jeito certo de se cobrir na espreguiçadeira da sacada. Até seu querido Maria Mancini, sua marca de charutos preferida, perderá o sabor e marcará essa adaptação completa perto do fim do livro, quando para de importá-lo e passa a fumar marcas locais.
“Essa adaptação viera mais depressa do que se poderia imaginar: o tempo, nessas alturas, tinha um caráter especial e parecia feito para produzir hábitos, ainda que fosse apenas o hábito de não se habituar.”
Chega o momento de não mais fazer questão de receber alta, já não terá mais vínculos com ‘lá embaixo’ e se adapta completamente a sua “vida horizontal” nas palavras de Settembrini, um dos hóspedes e também uma espécie de orientador na formação intelectual desse “filho enfermiço da vida”. 
Aliás as discussões filosóficas entre Settembrini e Naphta, o humanista e o jesuíta são um dos pontos altos do livro. Mas não podemos esquecer também os outros personagens, como o melancólico Dr. Behrens, também apelidado de Radamanto, o que já diz muito sobre sua figura; o Dr. Krokowski, seu assistente; a enfermeira Von Mylendonks, com seu pince-nez; entre os hóspedes temos a estulta Sra. Stöhr; a bela Marusja, com seus risinhos e a misteriosa Mme. Chauchat cujos “olhos quirguizes” lembram os de Prislav um colega de ginásio do nosso protagonista, e a qual despertará nele uma certa obsessão erótica, a mesma nutrida pelo colega.
E praticamente isso tudo estará presente nas primeiras 141 páginas que descrevem o primeiro dia do nosso protagonista. Nosso meticuloso Mann marcou a própria estrutura do livro com a relatividade do tempo. Ao fim do primeiro dia, nosso herói pensa já estar lá há meses, e assim pensamos nós. Depois disso, o tempo passa muito rápido, passam-se sete anos nas próximas 900 páginas. Afinal, “todo caminho que trilhamos pela primeira vez é muito mais longo do que o mesmo caminho quando já conhecemos”. O final do livro é marcado pela ambiguidade, não está claro se nosso protagonista alcança o pleno desenvolvimento de sua individualidade, nem se morre ao fim como soldado anônimo.
Classificado pelos alemães como um Bildungsroman, ou seja, um romane que narra a história do aperfeiçoamento do herói como ser humano, no sentido moral, psicológico, político esse é o tipo de livro que também participa da formação pessoal do leitor. Sua linguagem é muito refinada, quase poética, mas ao mesmo tempo tão simples no seu entendimento. Mann se reafirma como um mestre da sintaxe, com frases tão bem estruturadas e idéias tão bem expostas. Para me fazer entender usei muitas passagens do livro, de outra forma não conseguiria me aproximar da grandiosidade da obra. Escrita a mais de 83 anos, permanece atual. Termino aqui essa resenha com mais um trecho:
“Acontece, porém, com a história o que hoje em dia também acontece com os homens, e entre eles, não em último lugar, com os narradores de histórias: ela é muito mais velha que seus anos; sua vetustez não pode ser medida por dias, nem o tempo que sobre ela pesa, por revoluções em torno do Sol. Numa palavra, não é propriamente ao tempo que a história deve seu grau de antiguidade – e com esta observação feita de passagem queremos aludir ao caráter problemático e à peculiar duplicidade desse elemento misterioso.”

Marcelle Vireira Freire

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