quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O Artista - filme mudo sobre o fim do cinema mudo

De todas as mudanças que ocorrem nesses mais de cem anos de cinema, a que foi mais marcante, e representou uma revolução gigantesca na sétima arte foi o advento do cinema falado. Aquilo que antes eram apenas imagens e atores fazendo gestos caricatos e exagerados para se fazerem entender sem o uso de suas vozes, mudou a indústria para sempre. Mais que o advento das cores e de tecnologias avançadas, como o 3D, o advento do som foi o que causou mais impacto.
Nos anos 20, o cinema mudo ainda imperava como grande forma de entretenimento. Ao fim dessa década, e entrando nos anos 30, passou a ser substituído pelo cinema falado (o povo gosta é de novidade), e tornou-se efetivamente um artefato histórico em pouco tempo. Mas não foram apenas os filmes mudos que foram deixados de lado, muitos dos seus grandes astros também viram suas carreiras ruírem ou passarem por graves dificuldades com a mudança nos filmes enquanto foram substituídos por jovens atores, caras novas no mercado.
Esse tema foi muito bem tratado pelo filme Crepúsculo dos deuses (Sunset boulevard, 1950) que acompanha trajetória de Norma Desmond (Gloria Swanson), uma antiga diva do cinema mudo que vive no esquecimento e na decadência quando não pode se encaixar na nova realidade. Em certo momento, a personagem diz uma frase emblemática que ficou para a história do cinema quando, ao ser tida como “Você já foi grande” responde: “Eu sou grande. Os filmes é que ficaram pequenos”. Essa resposta mostra um posicionamento comum entre atores dessa época (anos 20 e 30) a aceitar ou não o uso de som. Muitos chegavam a achar a idéia até ridícula. É partindo desse ponto de vista e desse momento histórico que O artista (The artist, 2011) vai tratar o complicado caso de George Valentin (Jean Dujardin), que, assim como Norma de Crepúsculo dos deuses fora um grande astro do silêncio que encontrou o fundo do poço com a palavra falada. 
George Valentin é arrogante e orgulhoso. Não é para menos, pois ele é um dos maiores atores que Hollywood já viu. Um grande astro, um homem bonito, com uma lista enorme de grandes sucessos, super carismático e que consegue agradar o público como poucos. Não tem como evitar o sucesso. Tudo na vida de George vai bem até a chegada dos filmes falados. Ele não consegue se adaptar a mudança e vai caindo cada vez mais em decadência: seu último trabalho, numa tentativa desesperada de provar a si mesmo e às pessoas que o cinema mudo é sim uma legítima forma de arte, foi um fracasso, seu casamento acaba em divórcio, seus bens acabam sendo leiloados, sua fortuna vai pro buraco com a crise de 29 e ele acaba afundando no alcoolismo. 
Paralelamente ao fim de carreira de George, vemos a ascensão de uma nova estrela, que representa a modernidade dos anos 30: Peppy Miller (Bérénice Bejo). O interessante é que Peppy e George têm uma grande relação entre si. Os dois se conheceram quando ele estava no topo do mundo e ela era apenas mais uma na multidão e logo estabeleceram uma conexão imediata que se desenvolve num relacionamento muito interessante, e bonitinho, ao longo do filme. 
O artista tem grandes méritos. O principal: a coragem. Precisa muita ousadia para encarar um projeto como esse nos dias de hoje, onde temos superproduções caríssimas cheios de feitos especiais futuristas e o uso exagerado (e às vezes desnecessário) do 3D. Afinal, é um filme mudo. Mudo! Muitas pessoas se sentem desmotivadas a ver um filme só por ele ser preto e branco, quanto mais sendo mudo. Mudo! E não é um mudo qualquer, ele foi feito para parecer um filme da época (fim dos anos 20, começo dos anos 30). Para isso, a imagem do filme foi direcionada ao padrão da época (claro que em versão muito melhorada), a fotografia, a forma de contar a história e, principalmente, as atuações que são caricatas na medida certa para combinar com o contexto geral da história. Até mesmo a aparência dos protagonistas, Dujardin e Bejo, que tem um tipo de beleza clássica, como se fossem artistas antigos mesmo. Poxa, eles até fazem sapateado!
Outras coisas que me chamaram muito a atenção no filme: ele é extremamente simples, mas não trata de um tema nada fácil. Tem várias pequenas cenas, cheias de significado que são fantásticas, o elenco é muito competente e tem um cachorrinho, parceiro de George Valentin, que é irresistível.
Vencedor do Oscar de melhor filme, melhor diretor (Michel Hazanavicius) e melhor ator (Jean Dujardin), além de mais dois prêmios técnicos e outras cinco indicações.

Obs1: A comparação com Crepúsculos dos deuses foi só com relação a temática básica da origem dos problemas dos protagonistas. A semelhança entre os dois termina aí! Crepúsculo dos deuses é muito (muito!) melhor, muito mais forte, e segue um caminho totalmente diferente!
Obs2: Apesar de ter vencido na categoria principal do Oscar 2012, meu filme preferido do ano passado continua sendo A invenção de Hugo Cabret.

Lucas Moura

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