quarta-feira, 25 de julho de 2012

O Crime do Padre Amaro – o Realismo Católico de Queiroz

Dificilmente um livro extenso cria empatia com o seu leitor. São diversas as desculpas possíveis para justificar a escolha entre um título ou outro, em geral eu atribuo ao tempo escasso, mas as variantes são bastante extensas. Às vezes gosto de repetir em pensamento “obras longas intimidam apenas as mentes pequenas” com o intuito de estimular as minhas leituras demoradas. Um desses livros pesados que veio parar em minha estante foi O Crime do Padre Amaro (escrito em 1871 e publicado três anos mais tarde), segunda obra do autor realista Eça de Queiroz.
Deixa-me só falar desse lusitano antes de dar progresso à sua criação: Eça de Queiroz nasceu em 1845, filho de pai brasileiro e mãe abastada, formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, tornando-se concelheiro* da cidade de Leiria em 1870. Exatamente nessa época escreveu sua primeira obra prima a qual promovo hoje.
Quem está desinformado pode achar que o livro se trata de algum romance e vai de antemão classificando-o como tedioso, meloso, caprichoso... Não! Perdão, mas seus olhos poderão estar desacostumados com tanto iluminismo ou realidade ao longo dos 25 capítulos. Sim, O Crime do Padre Amaro é uma das publicações mais importantes e polêmicas do Realismo.
A história não é lá das mais complexas. Temos uma pequena cidade pacata (a Leiria onde o autor viveu) com uma influência católica considerável e seus cidadãos curiosos pela vida alheia – aquela ideia de interior bem básica. O acontecimento chave é a morte do pároco José Migueis, lembrado constantemente por seu colossal hábito alimentar. A indicação para novo pároco da Sé surge da capital Lisboa, desenlace político da marquesa que tinha o padre Amaro como afilhado.
Como o autor escrevia compridos capítulos então cada um deles adquiria foco em um personagem para dar continuidade na narrativa. Assim, por volta do terceiro capítulo, nos é apresentado a origem pobre de Amaro, filho dos criados dos marqueses de Alegros. A morte de seus pais quando ainda era infante e indefeso aproximou seus laços com a marquesa levando-a a apadrinhá-lo. O autor demonstra daí a posição do jovem Amaro sobre a religião, ao qual vislumbrava com devoção. Traços de sua personalidade são examinados e os descreve como “mirrado, medroso”. Ao passar do tempo, Amaro muda-se para a casa do tio com a promessa que assim que completasse a idade adequada entraria no seminário para formação eclesiástica. Um resumo da vida ao lado de seus tios seria um inferno cheio de maus tratos, um padrão inverso ao que vivia com a marquesa.
Em pouco tempo, Eça de Queiroz vai esmiuçando aquela vontade de ser padre do seu personagem. Amaro sente-se inapto ao clero, às aulas e ao universo em volta do seminário. Neste tempo começam a aparecer as feições de homem além do seu corpo que se desenvolve. Por fim, termina seu curso e – mesmo já insensível – forma-se padre.
O livro não tem pressa, vai contando sua história a passos de bebê sem lançar informação sobre informação. Este vai descrevendo paisagens, lugares, estilos da época, ruas, construções, enfim, usa bastante do recurso visual através da escrita. Entre uma e outra observação dos aspectos físicos de Leiria, o autor também nos descreve algumas de suas personalidades mais importantes como o cônego Dias, principal contato de Amaro ao chegar a cidade e fiel companheiro eclesiástico; Sr.ª Joaneira e sua filha Amélia, donas da pensão onde Amaro passa algum tempo até se envolver com a jovem; D. Josefa, irmã do cônego Dias, mulher devota ao extremo; doutor Gouveia, médico da cidade e grande mente, autor dos melhores discursos durante o livro; padre Libaninho, esse com um certo toque homossexual que o livro deixa em subliminar; Dionísia – com um nome desses fica bem óbvio o papel da mulher –, servente de Amaro após a estadia na pensão de Sr.ª Joaneira; João Eduardo, no começo da obra, noivo de Amélia; padre Natário, o sujeito mais desprezível entre os personagens; abade Ferrão, único membro da Igreja Católica sem grandes defeitos apontados pelo autor.
O interessante em O Crime do Padre Amaro é como Eça de Queiroz conseguiu publicar uma história tão crítica às condutas dos representantes do catolicismo em um país como Portugal ainda tão católico. Não estou tratando apenas de um apontamento aos modos eclesiásticos, estou dizendo como o homem derrubou a imagem sagrada dos sacerdotes! Ele explicita o domínio sobre os cidadãos mais ignorantes e fervorosos em cenas patéticas, praticamente remetendo aos tempos de Inquisição; os exageros etílicos e alimentares em reuniões; o orgulho e a arrogância; os interesses políticos; o desinteresse aos pobres... Além do sentimento de superioridade, constante no padre Amaro e outros.
Não é somente seduzir Amélia o crime. Ao decorrer da narrativa vamos explorando a personalidade mesquinha do pároco exercitando a vaidade através do sentimento da moça, que encontra na figura do padre um ser de posição elevada, e, por motivos da sua personalidade devota, acaba por transformar-se em uma paixão abrasiva. Se acharem pouco, vão se espantar com o destino de João Eduardo, o pobre noivo que não tem o seu amor por Amélia correspondido.
Há tantas reviravoltas quanto se pode esperar de um livro realista, porém gostaria de frisar as linhas com o personagem Gouveia. Este, ao que me parece, é a voz de Eça de Queiroz confrontando a moral católica com argumentos inteligentíssimos. Tornam a leitura mais inteligente, além de promover uma discussão calorenta àqueles que têm um pé atrás com a religião cristã.
Por fim, deixo a minha sugestão. Será um livro denso para quem está acostumado com “água e açúcar” vendido hoje em dia – com alguma dificuldade talvez vocês encontrem alguma afinidade com certo personagem. Então está mais do que recomendado!
P.s: encarou a obra e sentiu o peso? Lembre-se “obras longas intimidam apenas as mentes pequenas”...

*concelho: (regionalismo: Portugal) divisão administrativa de distrito; parte de um distrito.

Guilherme Patterson

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